quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Estranho


Por Pedro Gomes, «presa nas riscas2»
Onde está a pessoa com quem partilhei tanto, o que aconteceu à maneira de ser que eu tanto idolatrava? O que fazes tu no lugar dela? Quem és tu, estranho tão sedutor, que me fazes esquecer quem sou? Já não. Nunca mais. Mas muitas vezes embrenhada nesses argumentos me deixei levar, princípios tão convictos e firmes desmoronavam-se à minha frente. Aos poucos esqueci-me de muitos ideais e de um passado que me tinha ensinado tanta coisa. Agora recordei-me, aos poucos encontro o meu rumo de longe. Mas tu, estranho, não me podes devolver o que perdi entretanto. Continuas no teu mundo e não me devolves o que perdi, perdi muito. Perdi alguém que amei(um amor muito particular - mas não será cada amor, um amor único, diferente, lindo à sua maneira, provocando emoções diferentes a cada pessoa, em cada situação?) e que não há-de voltar. Perdi partes de mim,estilhaços que reflectem o brilho do sol ao flutuarem no ar, ao nível dos teus olhos. Tu imóvel, tu estátua de pedra, tu espinhos cravados tão fundo. Tu que ali estás, ali ficas, ali trocista permaneces... Ali gritas por ajuda e eu nem sei se te quero ajudar, eu nem sei se posso. Tropeço, os meus pulsos rasgam-se na calçada, tu gritas ainda mais alto, tu sofres e eu sei que sim, mas dói tanto, o sangue escorre pelos meus braços e eu estendo-te a custo a minha mão, tu afastas-te e eu ali fico. Não me ajudas, não te ajudo. Permanecemos a distâncias consideráveis, olhamo-nos, permanecemos, permanecemos. Até um de nós se cansar, já estamos tão cansados de nos olharmos, estou cansada de te olhar, de me perguntar onde estarás tu realmente e o que restará de ti nessa fachada que criaste. Tu, estranho, tu que não és mais que uma cópia de barata de alguém excepcional.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Sentir

"Sentir a chuva fria na cara, a areia a escorregar por entre os dedos, o toque da pele, o macio do veludo. Sentir a vida a pulsar, com energia, como se o tempo não chegasse para tudo aquilo que gostaríamos de fazer. Sentir a emoção de um primeiro beijo, a tristeza de ver alguém partir, o medo do escuro, a leveza da felicidade.
Sentir-te, sentir-me, sentimo-nos.
Sentir tudo aquilo que sentimos, porque somos jovens, porque jamais o voltaremos a sentir."

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Poeta do Dia - Edgar Allan Poe

"It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason
(as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling- my darling- my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea." Annabel Lee

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Pois é.. Isto era o que me apetecia hoje

Tirada por mim... Na «Paz de Taizé», no verão de 2004
Quero sentir areia fina debaixo dos meus pés,
Água escorregando pelas palmas das minhas mãos, por todo o meu corpo.
Sentir o sol na minha face,
Sentir a chuva nos meus cabelos,
Quero que o vento me fustigue as bochechas rosadas
(e há-de sussurrar«hei de estar sempre aqui»)
Saltar de uma falésia só para conseguir sentir o coração parar de bater de tão descompassado,
Quero sentir o teu perfume!
Beijar os teus ombros nús,
Passar a minha língua pelo teu pescoço,
Despir-te das saudades que deixaste em mim
Atar-te à minha cintura para que não caias mais nem me deixes a mim desamparada
Quero rir como se por alguma razão descobrisse que a perfeição está nas flores, no fogo, na tempestade,
Manter essa chama por ti que foi esmorecendo
E a ti!, a ti afagar-te tão suavemente que continuarás a dormir sorrindo feliz, embrenhado nesse mundo mágico que é o sonho,
Olhar-te e para sempre não te tocar,
Deixar-te estar no teu canto,
Esse em que tantas vezes nos amámos como se o dia não tivesse fim
Quero chegar ao fim do dia e saber que haverá mais como este
Quero puxar os cobertores para o lado e dormir despida comos e fosse outra noite quente de Verão, enquanto olho pela janela o céu sem estrelas.
Um céu enorme, vazio, imenso, como o mundo que espera por mim.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Finge que não

Devagar, aproxima-te de mim. Fala baixinho, murmura palavras apenas perceptíveis por mim. Conta-me de que gostas, o que queres, o que gostavas de ser quando eras pequeno, conta-me algo que nunca contaste a ninguém. Com a tua mão calejada afasta a madeixa de cabelo que me cai constantemente para os olhos, com um meio-sorriso amaldiçoa a minha maneira de ser, a minha existência. Diz que gostas de mim pelo que sou, pelo que te mostrei tão genuinamente que sou. Deixa que eu finja que durmo enquanto olhas pela janela e recordas o que vivemos juntos. Aconchega-me a roupa da cama e beija-me na testa, sem ruído sai e finge que não sabes que estive acordada o tempo todo. Diz-me que não me queres - mas deseja os meus beijos, o meu corpo, refere constantemente como não te agrado mas exibe-me discretamente aos teus amigos. Toma conta de mim. Ama-me! Finge que não, mas... Ama-me.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

De que serve tudo isto?

De que serve tudo isto? A raiva, o ódio, a tristeza que sinto dentro de mim? De que serve este amor por ti que carrego no peito, estes olhares que cruzamos, estas palavras que esquecemos em segundos, estas sensações que não desaparecem nunca. De que serve olhar para ti, desejar-te, estar disposta a tudo e dizer-te ao invés que nunca faria nada por ti, de que serve toda esta entrega quando na hora da verdade nos retraímos, seguimos cada um no seu caminho.
De que serve ter tanto para dar mas não o conseguir fazer a ninguém para além de ti? Tanto que fica guardado cá dentro por te fechares e não me deixares libertar-me de ti?
De que serves tu, de que sirvo eu e tudo o que construímos, destruímos, tentámos reconstruir em sítios já tão remotos? De que serviu tudo até agora? De que serve esta vergonha que agora existe entre nós, todo um passado retalhado, toda uma história que escolhemos recordar o mínimo possível? De que servimos, até agora, nós os dois?

quarta-feira, 30 de novembro de 2005

O Fantasma

Não sei onde estou. O silêncio oprime-me, prende-me, fixa as suas garras em mim. Eu corro, eu salto, eu caio, procuro uma mão que não vem, um pedaço de papel que rasguei em pedaços, enconsto-me a uma parede nua. Sinto o cachecol que me envolve o pescoço, suave como seda, envolve-me todo um perfume. Selvaticamente rasgo-me sem medo. Com a cera de uma vela que espalha a sua luz ténebre pelo meu corpo, queimo-me. A cera enfeita agora a minha mão encarquilhada, os meus dedos finos tremem, lágrimas soltam-se de mim. Aos poucos, a luz esvai-se no vazio.Também ela me deixa, enregelada. E eu não vejo, não cheiro, não sinto. Nada de nada. Pergunto-me se estarei mesmo aqui ou será tudo mais um sonho de mau,
beijo um fantasma que não me deixa tocar-lhe. Ele liga-me a mão com finas tiras de ternura, e pacientemente tenta aquecer-me com o frio que emana de si. Também ele se encontra aqui, prisioneiro, mas sem o saber. Não sabe que existe melhor e deixa-se ficar. Oiço-o tactear o chão, arrastar por ele o cachecol que larguei, afaga-o tão delicadamente, cheira o perfume tão seu conhecido, sente uma textura tão desejada, senta-se, deita-se no chão de vidro, adormece. Encosto-me a ele. Ele deixa-me enconstar a ele. Os meus olhos habituaram-se ao escuro e vejo-o de outra forma. Tão fraco e pequeno por baixo de toda a sua omnipotência ilusória. Tão criança. Pego-lhe, embalo-o no meu colo, beijo-lhe a fronte, despindo-me cubro-o com vestes que já não me fazem falta - E tremendo de frio, enrolo-me em volta do seu corpo franzino e sinto a vida a esvair-se de mim.
Uma fresta que se abre no tecto.
A luz repentina fere-me os olhos, tiram-no de mim. Silenciosa dor, doce abandono. Resta-me o teu corpo majestoso, intactável,
puxas-me sonolento para ti e adormeço enfim, um sorriso tão cruel no rosto inocente.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta

"Aqui na terra a fome continua
A miséria e o luto
A miséria e o luto e outra vez a fome
Acendemos cigarros em fogos de napalm
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti nem eu sei que desejos
De mais alto que nós, de melhor e mais puro
No jornal soletramos de olhos tensos
Maravilhas de espaço e de vertigem.
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede onde não chove.
Mas a terra, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalm são brinquedos)
Onde come brincando só a fome
Só a fome, astronauta, só a fome." José Saramago

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Desculpa-me!

Acredito firmemente ter decorado todos os traços desse teu rosto tão comum, enquanto me tratavas como a um espelho, como se estivesses ainda a recitar o que me irias dizer quando me encontrasses. Enquanto ganhavas a coragem para me olhares nos olhos e dizeres "amo-te"
Essas palavras rasgaram-me por dentro, não as devias ter dito. Pedi-te que não dissesses. Mas disseste. Imóvel, fitando-me com olhar de fogo, esperaste
por mim. Esperaste enquanto eu olhava para o vazio, enquanto tentava definir o que sinto por ti. Ainda agora não sei.
Sei que não é amor.
Será que sabes o que é o amor? Eu não sei, mas sei que não é
(não pode ser)
o que sinto por ti. Não pode ser o que sentes por mim. Ou será que pode? Será que podemos amar quem conhecemos uma noite, com quem não partilhámos tanto quanto isso, alguém que não conhecemos? Podemos amar o desconhecido? Será que se te tivesse conhecido uns meses mais tarde,
ou mais cedo,
eu te poderia ter amado a ti também? Porque será que gostei tanto de estar contigo numa noite e na outra só queria fugir de ti?(Por muito que tenha negado esses dois sentimentos opostos, mesmo a mim) Não sei. O que sei nesta história? Quase nada,
sei que não te amo.
E isso parte-te o coração. Uma
e outra vez.
Quantas forem precisas até.. Até o quê, quem, como, quando? Até quando te vais torturar, quantas vezes vou ter de te dizer
que não te amo,
quem me dera a mim amar a sério alguém no tempo real, quem me dera não dar por mim a amar apenas recordações. Quem me dera
amar-te a ti.
Mas o que queres que te faça? Não escolho isso, não sei se tenho a capacidade de amar alguém que me ame a mim, e se eu te disser que para mim isso me afasta, que reprime, me faz repulsa, ou então não, não é exactamente repulsa, mas... Não me digas que me amas,
qualquer dia calo-te com um beijo e arrependo-me para sempre, porque um beijo para mim já não é nada, para ti pode ser tanto e eu já não sei o que é certo. E eu tenho medo de te magoar - Mas tu dizes que não, pisa-me, não me magoas, a sério. Pisa-me com mais força. Isso.
Faz com que essa dor anule a dor que sinto cá dentro, mata-me... Mata-me de prazer, porque não consigo sentir mais nada quando estou contigo,
se vou morrer ao menos que sejas tu, ao menos que seja de amor.
Não durmo, não como....
- Mas eu não te alimento, não te mantenho acordado, não te canto para que adormeças descansado, para que sonhes comigo - Talvez o melhor seja não dormires, quem sabe o que essa mente turtuosa irá inventar, talvez eu e tu num cenário ilusionório mas ao mesmo tempo tão real, acordas e
eu não estou contigo. Nunca estou contigo e tu perguntas-te porquê.
E olhas para o telemóvel esperando pelas mensagens que eu nunca vou mandar, muito simplesmente porque eu sou assim
mas tu não me conheces, tu não me conheces.
Sabes que não, mas mesmo assim tentas adivinhar quem sou. Pensas que sou perfeita, mas as imperfeições comem-me viva,
cada vez descubro mais, mal se dislumbra alguma perfeição no meio de tantos buracos em mim. O branco foi sendo substituído pelo negro e persegue-me, esventra-me a alma tão fraca
e tu não vês nada, iluminado por essa aura estranha que me vais revelando, encontro após encontro. Gosto de ti, fazes-me rir com vontade, fazes-me querer estar onde estou quando estou contigo,
mas isso não é amor.
Disse-te de novo e di-lo-ei quantas vezes forem precisas,
não é amor.
Não insistas nesse teu martírio tão fervorosamente sentido, cada parcela dele, não vale a pena. Sem querer fazer-me passar por algo que não sou - Talvez algumas pessoas valessem a pena, mas não eu. Porque vais desperdiçar tanto comigo,
eu que nunca te hei-de amar,
a não ser um dia quando fores uma memória difusa de alguém que eu poderia ter amado. Ou talvez um dia me convença que te amei e que tu nunca me amaste a mim. Talvez nunca mais me lembre de ti, talvez esta seja uma oportunidade que estou a perder, mais uma na minha vida, deixando escapar tudo por entre os dedos, talvez as coisas fiquem para sempre como estão, e eu serei sempre aquilo que nunca tiveste, nunca poderás ter. Aquela fantasia que utilizas a teu bel-prazer, sempre presente, sempre no algo estranho background da tua vida. Aos poucos ficando mais utópica até não restar nada do pouco de mim que lá está, agora. Saí para o frio escuro da noite, saí
para encontrar o gelo que me envolveu, a minha respiração solidificava à minha frente, se ficasse muito mais tempo o resto do meu coração gelaria ainda mais. Um grande bloco de gelo misturado com ferro, pedra, mármore, gesso... Qualquer coisa que o torne inquebrável,
mesmo que o gelo derreta um dia o resto manter-se-á. Indestrutível, um dia rebentará pelo meu peito, espero que não demore tanto quanto isso, aproximas-te de mim, abraças-me incontrolávelmente,
eu estática,
eu boneco de madeira articulado,
cortaram-me as pernas e os braços e tu carregas-me rua fora. Só me quero esquecer que existo, só quero esquecer que existe alguém no mundo que me ama e não estou tão só como gostaria de estar - sem magoar ninguém,
agora sou responsável por ti porque te cativei.
Mas depois és tu que me levas, sou eu que me encontro a apoiar-me em ti. Porque terá perdido o beijo tanto sentido? Porque será que a simples beleza de dois lábios unidos, corpos apertados, mãos brincando alegremente ora juntas ora separadas, tudo isso é tão banal, tão cliché, tão fora de moda até, porque será que parece já tão falso,
porque será que apetece tanto mesmo assim e me beijaste como se tudo dependesse disso?
Não queria,
não desejava esse beijo que me deste,
que não te dei de volta. Algo me dizia para te apertar, e algo me dizia para te afastar, para te olhar com frieza, para desejar repentinamente ir para casa. Não sei o que fiz.
Sei que não te amo.
Não sei o que é o amor, não sei quem sou, o que faço, não sei quem és tu e o que sentes por mim,
Desculpa-me!,
mas sei que não te amo.

sábado, 5 de novembro de 2005

O que sou eu?

Serei o que como? O que visto? O que beijo, quem beijo, como beijo? Serei linhas lançadas ao calhas por uma página em branco, tintas mescladas em tons vivos que caíram por acaso numa folha branca, que flutuam por céus cinzentos? Serei doce, forte, amarga como fel, suave como seda? Serei braços nos teus ombros, as tuas mãos na minha cintura? Talvez selvagem como a gata que dorme no meu colo... Serei a faísca com que aqueço uma lareira fria, serei riso numa tarde de Verão, água num piscina vazia, sussurro durante a noite ao tentar dormir, gemido tão dócil? serei o olhar no olhar de quem me encontro, o sorriso reflectido em mim? Serei cheiro, odor, perfume? Será que sou o que faço ou o que farei um dia, será que um dia farei de facto alguma coisa? Serei o que leio, serei o conjunto do que vivi ou do que ainda me falta viver? Serei pulsos finos, troncos nús, pernas entrelaçadas, serei engenho inútil sem função em particular, serei dócil, serei eu tão precisa, ou serei eu tão dependente de ti? Serei sombra, luz de que fujo, lábios que deslizaram sem querer pela tua face? Serei eu tanto, serei eu tão pouco, serei eu alguém dentro de alguém, ou sozinha sem saber para onde hei-de ir? Serei apenas os restos. o produto de tudo quanto amei, os retalhos de mim que me foram arrancados aos poucos ou serei apenas o que restou depois de tudo isso? Serei silenciosa dor, sofrido desespero em mim? Será que sou tudo, será que não sou nada, será que sou uma coisa qualquer...

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

A Noite

O sol põe-se. A lua reaparece, reafirma o seu intenso reinado sobre todas as coisas. Pequenas crianças entram em casa, animais são recolhidos, janelas sonoramente fechadas.
Um homem solitário, derrotado, entra num bar quase vazio, um comerciante recolhe as frutas que não conseguiu vender.
Um casal despede-se num parque, sem se dar conta da inveja nos olhos dos idosos que por eles passam – Saudade, carinho, ternura que a brisa do tempo levou....
Uma agulha enterra-se num braço magro, um elástico é debilmente apertado à sua volta – e, mesmo sem o saber, é apertado também o seu coração, o seu já tão ínfimo pedaço de felicidade.
Uma mulher chora, numa escada à frente de todos, devido a um amor que não conseguiu perdoar – e do outro lado da soleira da porta soluça um homem, escondido do mundo, graças a erros que não conseguiu evitar cometer.
No alto de um prédio, uma rapariga reflecte sobre a decisão que não se atreve a realizar (Produto de amizades, paixões, vidas desiludidas - Talvez sonhos altos demais...). Na cave rejubila uma face feliz, simplesmente pelo facto de ter encontrado um lugar seco para passar a noite.
Uma face infantil olha para o céu, esperando o tempo que fôr preciso por uma estrela cadente – esperança ténue, ainda que infundada, brilhando num pequeno espaço da crueldade do mundo – ao mesmo tempo que um homem febril luta por uma vida que lhe foi roubada, sem aviso prévio, pela própria ambição e egoísmo desmesurado, duro como pedra. A saudade e a tristeza arrebatam-lhe o coração, e a sua alma... Quem saberá o que lhe aconteceu?
Duas mãos pousam um ramo de flores dentro de um vaso, adorno simples de uma campa já gasta. Dois pequenos pés descalços pisam ao de leve o solo de pedra de uma igreja – Procura contínua de fé, de apoio, de vida.
Um cão, esquelético, arrasta pela rua a trela rota, desgastada pelas humilhações que sofreu e mesmo assim procura o dono que tão voluntariamente o abandonou. Um soldado pousa ao de leve a sua arma no chão, pega-lhe de novo e sabe que nunca vai poder descansar... Que é diferente de todos os outros, que para si não existe qualquer diferença entre o dia ou a noite, para ele nada disso tem razão de existir. Lamenta tudo o que errou, espera sem cessar um milagre que traga finalmente a paz ao mundo.. e continua a lutar.
Noutro canto do mundo, uma mãe ofegante faz nascer uma criança. Corpo, pálido, sem alegria, sem vida. Mais uma luz que se apaga, mais uma esperança perdida..
Uma presença tudo isto observa, sem conseguir evitar o pensamento que lhe ocorre «Tolos humanos. Cada um pensando que o seu problema é o maior de todos. Como explicar-lhes que há coisas que acontecem, que nada podem fazer para as impedir ou alterar, mas nem sempre são tão más como sempre parecem ser (Que apesar daquela pessoa não voltar, isso não significa que não possas ser feliz..).
Como explicar que cada flor que nasce, cada raiz espreitando ao de leve por uma fresta no chão significa algo inimaginavelmente belo, que a vida é tão incrivelmente curta que pequenos erros são insignificantes.
Explicar que desistir de tudo não é solução, que o arrependimento devia ser substituído pelo pensamento antes do acto, que a ternura ainda será a salvação da humanidade e que a guerra sempre foi e sempre será a companheira fiel da morte que rodeia corações vagabundos, perdidos no vazio.
E como fazê-los compreender que, lá por o sol desaparecer cada vez que eu me ergo para tão docemente abraçar o mundo que é meu apenas por um momento, e por não nos vermos sem ser por breves sonhos fugazes, isso não significa que exista menos amor...» 12.12.04

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Poetisa do Dia - Sophia de Mello Breyner Andersen

"- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. são diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora." Menina do Mar

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

No Colchão da Tua Raiva

Caio, porque as paredes,
As paredes já não me sustêm como deviam
Deslizo, porque o mundo se inclinou sem a minha permissão, tudo está agora fora de sítio, e tu não estás em lugar nenhum. Chamo-te mas o eco das minhas palavras mudou de voz e achas que sou
Apenas outra pessoa. E não te queres lembrar de quem eu era.
Quase não te conheço porque me castigaste dentro do quarto da tua ausência e revelaste um lado de ti que eu não desejava conhecer,
No colchão da tua raiva construímos juntos um pesadelo de ilusões. E depois levantaste-te, partiste para sempre, o mundo gingou uma vez mais e agora ri-se de mim.
Recolhi para junto de mim os pedaços que me arrancaste violentamente enquanto me beijavas com esses lábios que já não sabem a mel. Alinhei os pensamentos partidos e guardei-os na caixa vazia da minha alma. Agarro-te e não te sinto. Sei que já não estás comigo. Não te quero, desprezo-te, bato-te, espanco-te. Desfaço em pedaços esse colchão inexistente, espio a vida que constróis para ti próprio
Da qual eu não faço parte, pelo buraco da fechadura vejo que estás bem, óptimo, lindo como sempre e eu não sei o que fazer. Não sei o que fazer agora. Como sair deste quarto onde me fechaste e deitaste fora a chave? Desprezo-te mais uma vez. Destruo-me aos poucos até não restar nada de mim.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Al Berto - Lunário (excerto)



"No centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado, tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte - embora seja sempre absurdo morrer. Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lí­rio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: «Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge»."

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Quero-Te

Olho-me, toco-me com suavidade, sei que falta algo, destapo a minha barriga tão lisa e sei que te vou querer como nunca mal me aperceba que nunca estiveste dentro de mim.
Serias tudo, serias raiva, desespero, amor inconfundível, promessas fingidas, o descobrir de tanto que não saberia concerteza explicar.
Serias pois o símbolo não só dos erros que cometi (foram tantos), que não voltaria a cometer, aqueles que não conseguiria nunca remediar e os que me ajudaram a crescer(nem todos... muitos transportaram-me consigo numa viagem sem volta).
Serias o meu tudo, o meu qualquer coisa, o meu coisa nenhuma, serias infeliz e feliz, inexplicavelmente triste – como também eu o sou. Serias confidente, talvez mais um estranho que veria todos os dias, talvez um conhecido que veria duas ou três vezes na vida, antes de te levarem de mim.
Sentirias também tu a enorme falta de algo, sem saber porquê – Provavelmente sentirias a minha falta, tão longe andaria eu de ti. Tão estupidamente perto e longe.
Serias tanto, serias algo tão insignificante, serias algo tão efémero e tão forte na minha vida. Serias talvez aquele objectivo que nunca encontrei, um motivo para viver, a minha ruína e a minha benção. Serias meu, concebido dentro de mim, por mim – E por mais alguém a quem quero muito, mas que não o sabe. Que não sei se quero. Será que sempre soubémos o que queríamos? Talvez um dia o saibamos, talvez... Não.
Serias, como diria também alguém meu conhecido, “um pequena parcela de mim a andar por aí”, serias um prolongamento de mim e eu, subitamente tão criança, refugiar-me-ia em ti.
Serias o que quisesses ser, não serás nada porque te destruí, porque me assustaste desde o primeiro segundo, por te adorar tanto, por pensar primeiro em ti, por saber que mereces melhor, sei que terás melhor em algum outro lado, noutra vida. Ainda não te mereço, sinto a tua falta e sim, sei que te quero como nunca.

Um dia.. (Lutando pelo final de um preconceito)

Tu não o sabes, mas eu observo-te todos os dias. Sei quando estás mal, sei quando o dia te parece ter um lampejo de felicidade que flutua no ar. Quando o rímel está firmemente traçado em torno dos teus olhos é porque pensavas nele enquanto traçavas o risco a negro, sem olhares para o espelho (há quanto tempo não te olhas ao espelho?).
O anel prateado que usas no dedo aperta-te a alma, as tuas mãos tremem ao tocar-lhe mas teu olhar nada mostra, nada deixa adivinhar.
Serei eu a única a notar como as tuas mãos se crispam quando ele te abraça, como te retrais tão involuntariamente quando ele te beija? A única a notar como os nós dos teus dedos ficam brancos e, mais uma vez, o teu olhar vazio?
O teu sorriso verdadeiro faz com que ligeiras covas apareçam junto aos cantos da tua boca, faz com que os olhos brilhem e traz cor à tua face pálida, aos teus lábios excepcionalmente claros. Será que ele alguma vez viu esse teu sorriso? Talvez tenha reparado em ti antes de tudo ter acontecido, antes te de perderes de ti.
Quem sabe por onde pairará a tua alma despedaçada, ou quão grande será o bloco de gelo em que ela se converteu.
Não imaginavas o que te poderia acontecer – ou imaginavas, mas preferiste arriscar? Entraste no jogo como tantos outros, e como tantos outros descobriste as duras consequências das tuas escolhas. Será que ainda te recordas de como eras? Antes do teu sangue, tão puro, ser contaminado por ilusões, com sonhos por cumprir. Antes de selvaticamente te destruírem, física e psicologicamente.
Sei que pensas naquele dia como sendo o dia da tua morte. O dia em que decidiste morrer para o mundo. O último dia em que choraste por algo, ou por alguém, por ti. O último dia em que sentiste pena de ti.
Talvez algum dia acordes desse teu pesadelo, te libertes do fantasma a que em surdina todos chamam de toxicodependência. Talvez finalmente chores por ti, pelo feto que foi arrancado de dentro de um corpo já tão só, pela vida que te foi roubada – precisamente por quem julgavas amar.
E talvez um dia olhes em volta e me vejas a mim, talvez me sorrias de novo – E mais uma vez, apertarei as tuas mãos magras (tão magras!), sem serem necessárias palavras de qualquer tipo. Sim, nesse dia guardarei as palavras que inutilmente tentam expressar o que sinto por ti, bem fundo, no meu olhar feliz.
Nesse dia, arrancaremos juntas o anel de prata do teu dedo e voltaremos a colocar o de corda, igual ao que tenho no meu. Nesse dia, hás-de encontrar-te de novo – Guardada, a sete chaves, dentro de mim.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Dia Estranho...

Meti-me num táxi e referi com voz firme um sítio onde só tinha estado uma vez ou duas. Sem pensar. Um vazio tomou assim parte de mim, alastrou-se pelo meu cérebro, por todo o meu corpo. Sem pensar, sem nunca mais tentar fazê-lo sequer. Amei-te um dia e pergunto-me o que terá acontecido a esse amor que tomei como certo.

Esses Olhos...

Que olhar tão triste me lançam os teus olhos, como que dizendo que o amanha não existe, não está lá – apelando a para a compreensão e para o carinho dos meus, que se sentem tão sós. As pestanas que os adornam, essas, são compridas e brilhantes, reflectindo a luz do sol – e também os teus olhos reflectem o azul do céu, o verde do mar. Esses olhos que me pedem, que me imploram que me perca neles. Que me gritam algo que não quero escutar, procurar coisas que não quero descobrir. Esses olhos que lembram inocência, pecado, que recordam momentos, que receiam o passado. Esses, que qual falcão atento vigiam e qual gato ronronam suavemente nos seus silêncios – esses olhos em que um dia me encontrei, reflectida em ti. Esses que ora choram, ora riem, ora desesperam por o mundo não ser como gostariam. E que me chamam, lutam por mim, por ti, pelo mundo que nós dois construímos. Onde estou, onde estás? O que nos aconteceu?...

Ode à Maldade (Sem nenhuma razão em particular)

Este já é um texto mt antigo, do ano passado... Mas adorei escrevê-lo, apesar de ser obviamente fictício, adorei descobrir novas facetas dentro de mim, revelar uma pequena parcela do lado mau que no fundo todos temos mas que não queremos mostrar, de que nos envergonhamos.
Sim, é a mais pura das verdades que não podes confiar em mim. A qualquer momento posso contar os teus mais íntimos segredos à pessoa que mais odeias – e isso não me incomodaria minimamente. Não o faço por não gostar de ti – tal como também não o faço por gostar. És-me completamente indiferente, apesar de achares o contrário. Será possível creres que uma coisa não depende da outra? Gosto de fazer de conta que sou outra pessoa, de dar a mais profunda satisfação às pessoas, fazer o que elas querem, de lhes agradar. Apenas para provar o sabor das suas desilusões quando as apunhalo pelas costas. Por esse gosto existir (por muito macabro que o aches, e por muito que o reproves, se o reconheceres em mim) conto a outros o que me contas tão secretamente.
Pergunto-me quando irás perceber que eu não sou o que tu pensas, que tudo o que conheces de mim é uma ilusão que criei, que a coisa mais errada que fizeste foi confiar em mim. Quando te vais aperceber que eu te afastei de toda a gente, que consegui precisamente o que queria – se eu te largar, cairás e ninguém te ajudará. Estás dependente de mim, e em mim colocaste as tuas esperanças, e todos os teus sonhos.
Por vezes desejo simplesmente que descubras tudo o que engendrei, que a culpada de tudo o que te tem acontecido de mau sou eu, fui eu que planeei cada detalhe sombrio dentro de mim. Desejo que afastes essa ingenuidade irritante que há em ti, que te consciencializes que as pessoas podem de facto ser más por natureza. A maldade vive dentro de cada um de nós – apesar de a tua continuar adormecida.. Após tanto sofrimento, tanta dor.
Olha à tua volta e pára por fim com essas tentativas de tornar o mundo melhor – é ridículo, é infantil, todos sabem que essa ideia é uma utopia, é inalcançável, é bom demais para alguém merecer (até mesmo tu). Aliás, estão todos tão embrenhados nos seus pequenos mundos que é de duvidar que alguém projecte algo como “felicidade a longo prazo”, que é, resumindo, o que tu desejas para ti. Não te contentas com um momento de felicidade, uma “droga leve” que te faça ir até às nuvens.. Não farias isso.. Pois sabes que isso é algo de apenas um momento, não a felicidade que procuras (a meu entender, em vão). Sonhas demais..
Acorda! Desconfia! Mente! Como esperas sobreviver neste mundo? Sendo o melhor que conseguires ser, fazendo para sempre as escolhas certas, e não as escolhas mais convenientes para ti? Ninguém quer saber como és realmente, ninguém quer saber se o que conhece de ti é real ou não.. Desde que seja algo agradável à vista e ao ouvido. E sabes que mais? O facto de fazeres as coisas sempre bem não te vai ajudar.. Pois saberás que nunca fizeste nada que justificasse a situação em que estás. É essa a ideia de felicidade que tens em mente?
Sei que és infeliz, agora. Sei que o que te mantém acordado, o que te impede de chorar, sou eu. E tu não sabes nada sobre mim. Não sabes que não preciso de ti para nada, não sabes que estou à espera do momento certo para te deixar. Quando eu terminar o que comecei contigo, verás as coisas de uma maneira diferente, prometo. Ou não. Porque eu não cumpro as minhas promessas – Já devias saber.
Se vires bem, estou a dar-te uma lição de vida, a tentar desvanecer por fim essa tua inocência, a ajudar-te a finalmente ser um ser humano decente e a não confiar nas pessoas. No futuro ainda me agradecerás, embora isso de facto não me interesse. És para mim menos de nada, és fraco, és cego. As lágrimas que choraste no meu ombro entraram em contacto apenas com a superfície de pedra que rodeia o meu coração desde que nasci, e os momentos que consideraste especiais foram tão fortemente mesclados com o meu fingido sentimento de alegria que não deixou espaço para mais nada.
Podes acreditar que tudo isto não foi fruto de uma experiência traumatizante no passado, sempre fui assim. Tal como os camaleões, também eu mudo conforme o sítio onde estou.
E por favor, não me desculpes. Será assim tão complicado pensar que sou assim por razão nenhuma, apenas por ser, apenas por gostar tanto de ser? Talvez por saber que são pessoas como eu que estão no topo, saber que pessoas como tu temem pessoas como eu. Que provoco dor. Que recebo atenção, que tenho poder. Tudo isto me traz satisfação. Tudo isto contribui para a minha felicidade interior. Saber que sou assim... Sem nenhuma razão em particular.

“Ah o medo vai ter tudo (...) Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer” Alexandre O'Neill

terça-feira, 18 de outubro de 2005

De Profundis (clamavi)

Não sei quanto tempo passou desde que te vi pela última vez, encontro-me sozinha e sinto a tua falta, revejo-me no sentimento egoísta que me preenche. Como explicar esta mente obviamente descontrolada que faz parte de mim? Como dizer-te que nem eu sei porque fiz o que fiz (Há meses? Anos? O tempo anda descontrolado, e eu acho que não desejo controlar, nunca mais), porque me magoei a mim e a ti, porque te quero cada dia mais que o anterior. Como explicar-me sem parecer absolutamente superficial, infantil...
Não aguento mais olhar para ti sabendo que fui eu quem cometeu erros imperdoáveis, alguns de que nem tens conhecimento, como explicar algo a alguém se eu própria não sei, porque fiz o que fiz, como me arrependi cada dia que passou?
Agora perdi-te, quero-te de volta, odeio-me e não percebo porque não me odeias tu também – ou será que odeias mas és demasiado simpático para mo dizer? Não sinto que tenha o direito de falar contigo, de estar contigo, de pensar sequer em ti de outra forma senão amigo, mas como não o fazer, quando olho para ti e só consigo pensar em tudo o que sempre gostei em ti? Esse sorriso meio escondido, o teu olhar concentrado nas banais pedras da calçada, a maneira como aprecias silenciosamente o que cada pessoa diz sem expressão absolutamente nenhuma, sem julgar ninguém à partida, espero um dia conseguir ver através de ti.
Não sei, o que te tornará tão diferente de tantos outros? Porque me encontro a comparar todos os outros contigo? Porque acabo por recuar tantas vezes ao lembrar-me de ti? E mais uma vez, porque terei eu feito o que fiz, porque te afastei e me virei de costas para ti, porque não te agarrei e beijei ainda com mais força?? (sim, naquele dia em que chovia e parámos para esperar que parasse, naquele dia em que te deixei ir embora e ficava nem eu sei porquê, ou com quem)
Senti-me como se não fosse eu, e estivesse apenas a ver um filme em que por acaso era uma das personagens, como explicar que se fosse eu... Não teria feito aquilo, não teria desperdiçado o que tinha – E tinha tanto. Dizem que só nos damos conta do que temos, quando perdemos. Não sei se alguma vez te tive, mas agora tens-me a mim. Mas não o sabes, não o imaginas, não poderás saber.
Vejo isto como um castigo para mim própria, finalmente punida, finalmente a sofrer por causar sofrimento aos outros. Não foste o primeiro a quem magoei. Mas foste o único que desejei não ter rejeitado, magoado. Que desejo tão intensamente ter de volta.
Como explicar como me senti quando me pegaste na mão naquela noite? Como me apertaste, o que isso significou apesar de tudo o que fiz depois? Toda aquela noite, terá sido tão especial assim para ti? «Será que me estou a envolver demais, não pode ser», não podia ser, foi aí que resolvi pôr um ponto final, «isto não pode estar a acontecer comigo», apareceu de novo o medo. O medo que governa a minha vida quer eu queira quer não. Tive medo de me magoar, de te magoar a ti, de... Não sei mais de quê, lembro-me de inventar desculpas a mim própria, razões para te deixar. «Moramos em sítios diferentes, vemo-nos pouco». Pronto. Assunto encerrado, não podíamos continuar naquilo.
E agora olho para trás e vejo quão ridícula fui, quando estava contigo as semanas passavam a correr, lembro-me de me mandares uma mensagem(tantas, mas aquela em particular), como me senti, como quis que chegasse rapidamente o fim-de-semana, como ele chegou tão vagarosamente – e de repente apercebo-me que se pensasse bem no assunto, não encontraria nenhuma razão para te deixar senão a óbvia, que só agora admito: Medo, muito medo. Do que estava a começar a sentir por ti. O que sinto agora. O que quer que seja.
Gostava de conseguir chegar perto de ti e pedir-te mais uma oportunidade. Não consigo, era capaz de ficar horas a olhar para ti, só de saber que estás perto de mim encontro-me a sorrir. Mas tenho medo, outra vez, desta vez tenho medo que me rejeites. Tenho medo de tanta coisa... Será que se desta vez esquecer os meus medos te vou ter perto de mim?
Sim, talvez seja essa a solução. Por enquanto decidi levar tudo com calma – Tal como levei tudo com calma quando te conheci, um passo de cada vez, tentando conquistar-te aos poucos.
Tenho obviamente medo de encontrar alguém que me faça voltar atrás com tudo o que sinto por ti, que faça com que eu te veja de maneira diferente. Tenho medo de te tratar abaixo do que mereces. Medo de ser eu de novo. Tenho muito medo de ti.
Mas e se me lançar de cabeça... Ao menos não penso mais nisso se não me quiseres mais eu entendo e deixo-te em paz, definharei, não interessa, simplesmente será algo para além de viver nesta confusão de sentimentos que não compreendo.




Escrevi este texto sobre alguém que já significou muito p'ra mim... Mesmo que ele nunca tenha sabido isso, mesmo que eu só tarde demais tenha admitido isso a mim pprópria.
Cerca de duas semanas após eu o ter escrito, o que eu vi como a minha segunda oportunidade com ele chegou - eu "lancei-me de cabeça", ele usou-me e deitou-me fora - só aí percebei quão estúpida fui, quão iludida estava.
Na altura fiz uma promessa secreta de nunca mais deixar que as coisas chegassem a este ponto, mas mais tarde percebi - Ele não merece o que quer que seja, não chega já o que ele me fez, ainda lhe vou dar a satisfação de nunca mais ser feliz? Quem é que ele acha que é?
Nada, ninguém merece que se sacrifique algo tão importante como a felicidade, a alegria de viver, o sentimento de paixão - que é fantástico, nos faz sentir vivos.
E sim, um dia hei-de sentir tudo isso pela pessoa certa. Infelizmente, ainda não aconteceu. Mas um dia...

About Anne

She walks around, seeming weightless. Her pale face makes her brown eyes look bigger, and the dark hair falls by her back. She put her own arms around herself – Where is that lovely mouth that used to kiss her in such a sweet way?
The old oak, whose leaf seemed earlier so vivid and stunning, have now turned to yellow, a sad one actually, which brings nothing but sorrow. The playground is dark. The children abandoned this place, as they were never been there, ever. She looks at the floor. An old magazine lies ripped off, spread all over it.
Something inside her yells that nothing’s the way it should be – ignored voice, falling through the void.
The old people look at her with profound contempt, and I wonder what happened to those smiles they all used to do while staring, only a couple of months earlier.
The tears she cries now so often makes the eyeliner in her melancholic eyes to fall down the face, but she doesn’t worry anymore. No point in trying. Why should she, if the pain inside her soul is so incredibly vast and breaks her into pieces? So small ones she thinks she will disappear someday. She hopes she will.

Suddenly there is a change of light. A shy child slowly crawls through the slide, and smiles. His front teeth are missing. Yet, he keeps on smiling. She can’t help it. She is lost in that smile, in that little detail that overwhelmed her.
She doesn’t look at the north entrance, and so she doesn’t see him passing by. She senses his strong, secret perfume – but she already learned how to ignore it. When he places his arms around her waist, her chest stops moving.
The world freezes. A butterfly stands still in the air, it’s colours throwing soft reflexes above the young couple, and they look like the prime actors in a sad play - so unfairly sad.
Salt water suddenly slides by his square chin, silently breaking the immobility of time. His lips whisper something that floats in the air like a melody. One of the old men walks away as fast as he can from the strangely beautiful scenario.

Time has no importance. The blue and red lights that quickly surround the green garden took it’s meaning away. They are too late. Such small words to such a frustrate feeling, who will haunt my reverie forever.

This dazzling image standing in front of me, of a soul slowly rising above everything else, travelling through the blue skies of happiness, will haunt me as long as I live. A soul absorbed by joy, by too longed repressed desires.
Later I knew. Her name? Anne. Never woke up. He still wonders… «Did she listen “I’m sorry” while laid down on my lap?» No one saw him again.

domingo, 3 de julho de 2005

Dependência (C.)


Acordo suavemente; oiço trovões que me despertam na totalidade, lá fora tudo se ilumina e eu levanto-me de repente, tremendo.
Aproximo-me lentamente da janela, olho com uma tristeza profunda os prédios à minha frente, a chuva que escorre pelo vidro, o despedaçar das poças que já se formaram no chão da rua. Esfrego os meus braços enregelados, que esperam pelo calor das tuas mãos, pelos teus lábios suaves. Observo o corpo que se encontra caído por entre os lençóis da minha cama – tão diferente do teu.
O telemóvel toca, as batidas no meu peito quase me impedem de respirar – És tu, sei que és tu, quem mais ligaria a estas horas? E depois não és, tento cada dia que te tornes de alguma maneira previsível, mas isso nunca acontece.
Como te atreveste a simplesmente aparecer e virar tudo do avesso? Como terei eu deixado que isso acontecesse? Não sabendo eu o que queres de mim, ou o que quero de ti. Calo com um beijo terno o murmurar sonolento de alguém que devia ser tu, volto-me de novo para a janela.
Adormeço contigo todas as noites, acordo sem ti. Penso que te afastas de mim naquele momento demasiado próximo da realidade, não podes ser real, não devias existir. Será que existes? Serás uma versão utópica que eu criei, após noites e noites de amarga solidão? Uma versão de alguém totalmente desinteressante, outro igual a tantos outros perdidos de amor e que eu não desejo nem numa bandeja de prata. Será que tudo isto será em vão mais tarde, será que um dia precisarei que me lembrem que senti algo forte por ti?
Deixa-me em paz, deixa-me viver a minha vida... Fazes-me magoar todos à minha volta. Porque penso em ti, mais do que devia, e ao pensar desejo-te, demasiado. Quero-te perto de mim e encontro-me a ver-te noutros corpos, noutras faces - vi-te ainda há pouco numa face adormecida junto da minha. Mas de repente a ilusão desfaz-se e já não te vejo, não entendo - onde será que vi pedaços de ti? E tu estás inteiro, em algum lugar, como pude eu contentar-me com tão pouco? Como poderei alguma vez?
Quero-te inteiro, quero beijar-te de novo esse pescoço, esses lábios, esse corpo que eu idolatro e comparo com o que não tenho – Embora também não te tenha a ti.
Sabes tão bem como eu que não te conheço, nunca falámos realmente, não faço a mínima ideia como funciona a tua cabeça – Por muito que tente, continuas um mistério constante para mim. Não penso que sintamos realmente falta um do outro, não psicologicamente, não da forma que sempre nos entregámos em segundos à volúpia que nos preenche a alma, às belezas dos corpos que possuímos.
Desejo-te e sei que me desejas – Disseste-me isso e quantas vezes não li nos teus olhos claros essa tua apreciação mental silenciosa. Mas isso não me chega, penso em ti e sinto a necessidade extrema de sentir de novo aquilo que me fizeste sentir, procuro sem cessar quem me faça sentir como tu. Por horas, minutos, segundos apenas.
Mas não és tu, não estás lá, falta sempre qualquer coisa. Porque não és tu?
Eu nunca conseguiria admitir, não em voz alta, que não aguento muito tempo agora que me dei conta de tudo o que é possível sentir. Como aguentar a revelação da minha voz fraca confessando algo tão temido, algo tão proibido pelas minhas próprias regras? Tornaste-me habilmente dependente de ti. Será que fizeste de propósito? Será que lá no fundo de ti percebeste que era a única maneira de agir comigo? Será que simplesmente não significo nada para ti? (Como terás fingido aqueles olhares cheios de tanto que não sei explicar?)
Insistes em marcar a tua presença, quando te esqueço por minutos algo acontece e lembro-me de novo, tenho vislumbres de ti e apercebo-me que não consigo estar com mais nenhuma pessoa, não sem te ver, sem te imaginar. As tuas características transformaram-se numa espécie de íman gigante, sensual e misterioso, seduzes-me à distância. Odeio-te e depois percebo que minto a mim própria, gostava que não tivesses existido mas logo de seguida apercebo-me que teria sentido a tua falta mesmo que não fizesse ideia de quem és, do que és, do que te tornaste.
Anseio pela próxima vez em que nos iremos encontrar, apenas para poder encontrar imperfeições, para me poder fartar desses olhos, dessas mãos, desses lábios. Para me deixares em paz, para te poder mandar embora, ignorar. Temo que me faças isso a mim e eu fique para sempre agarrada a esse fantasma que fui criando, que tu alimentas cada dia, cada semana que passa.
Mas continuas para mim uma barreira que não consigo ultrapassar, esse mesmo fantasma que me atormenta, essa presença constante com que sonho.
Não me conheces. Poderias achar que isto é uma espécie de paixão, amor. Não sinto isso por ti. Sinto um desejo tão grande que me consome, que me vicia. Quero mais do pouco que me deste. Quero dormir contigo, enrodilhada no calor desse corpo forte enquanto te beijo uma curva sinuosa no pescoço. Quero sentir as minhas pernas em torno da tua cintura e os meus braços estendendo-se ao longo das tuas costas, decorando cada pedaço delas. Quero explorar todo o teu corpo, centímetro por centímetro, uma e outra vez desvendar com os lábios a paixão que carregas no peito.
Quero sentir-te ao meu lado ao acordar, agarrar-me a ti para ter a certeza que não és uma ilusão, beijar-te uma e outra vez, esquecer-me que existe um mundo lá fora de que não fazes parte. Um mundo racional, onde tu estarias totalmente desenquadrado. Onde não terias lugar.
E sim, quero apaixonar-me por ti, quero saber como é, quero sofrer desmesuradamente por te amar e tu não me amares a mim. Quero dizer que já tive uma grande paixão na minha vida e sou como todos os outros, destroçada pelas traiçoeiras flechas de um tal Eros, mas que o tempo tudo cura e que um dia conseguirei esquecer-te. Mas não assim, na expectativa do que poderá acontecer – aliás na certeza absoluta do que irá inevitavelmente acontecer da próxima vez que nos encontrarmos – essas certezas que vais quebrando, aos poucos, até eu ficar absolutamente sem nada para me agarrar.
O saber que cada vez que nos encontrarmos vou sentir o teu corpo contra o meu, os teus lábios ao de leve no meu pescoço. E não saber quando será isso. E de repente perguntar-me exactamente se isso irá realmente acontecer um dia.
Sou orgulhosa (será que imaginas quão orgulhosa eu posso ser?), e aqui fico neste indecisão que me mortifica, que me tortura, lendo as mensagens que me mandas demasiadas vezes, respondendo mais que devia também eu, jogando nós os dois um jogo que não sabemos quando vai acabar. Que não queremos que acabe? Talvez. Porque nos contentamos ambos com breves indícios do que poderia estar a acontecer entre nós? Será que te contentas com isso? Será que é só isso que queres de mim?
Eu não consigo, será que sabes que quando preciso de ti e tu não estás vou buscar a outra pessoa aquilo que não tenho, que não me dás? O que me dá o direito de fazer isso? Nada. E continuo a dizer, iludida, que o culpado és tu.
Sinto uma mão que pega na minha, outra que me puxa para trás. Procuro os teus olhos claros, mas o que encontro são outros não menos belos – mas diferentes dos teus. Sinto-me aconchegada, abraço-me dentro de um corpo mais magro que o teu, acaricio cabelos mais curtos, dedos ligeiramente mais magros. Não encontro o anel que costumas usar no polegar. A voz que me sussurra palavras doces não é a tua, não as consigo escutar como devia.
Penso em ti e, em surdina, murmuro «Esquece-me». De seguida, sinto-me a desaparecer aos poucos, desnorteada com a simples ideia de não mais te tocar, de estares à minha frente mas tão longe, voando no teu grandioso pedestral, passando lentamente por mim sem me fitares o rosto. Quebro em pedaços o que disse e volto-me para o corpo junto do meu...

4-Julho-2005