O sol põe-se. A lua reaparece, reafirma o seu intenso reinado sobre todas as coisas. Pequenas crianças entram em casa, animais são recolhidos, janelas sonoramente fechadas.
Um homem solitário, derrotado, entra num bar quase vazio, um comerciante recolhe as frutas que não conseguiu vender.
Um casal despede-se num parque, sem se dar conta da inveja nos olhos dos idosos que por eles passam – Saudade, carinho, ternura que a brisa do tempo levou....
Uma agulha enterra-se num braço magro, um elástico é debilmente apertado à sua volta – e, mesmo sem o saber, é apertado também o seu coração, o seu já tão ínfimo pedaço de felicidade.
Uma mulher chora, numa escada à frente de todos, devido a um amor que não conseguiu perdoar – e do outro lado da soleira da porta soluça um homem, escondido do mundo, graças a erros que não conseguiu evitar cometer.
No alto de um prédio, uma rapariga reflecte sobre a decisão que não se atreve a realizar (Produto de amizades, paixões, vidas desiludidas - Talvez sonhos altos demais...). Na cave rejubila uma face feliz, simplesmente pelo facto de ter encontrado um lugar seco para passar a noite.
Uma face infantil olha para o céu, esperando o tempo que fôr preciso por uma estrela cadente – esperança ténue, ainda que infundada, brilhando num pequeno espaço da crueldade do mundo – ao mesmo tempo que um homem febril luta por uma vida que lhe foi roubada, sem aviso prévio, pela própria ambição e egoísmo desmesurado, duro como pedra. A saudade e a tristeza arrebatam-lhe o coração, e a sua alma... Quem saberá o que lhe aconteceu?
Duas mãos pousam um ramo de flores dentro de um vaso, adorno simples de uma campa já gasta. Dois pequenos pés descalços pisam ao de leve o solo de pedra de uma igreja – Procura contínua de fé, de apoio, de vida.
Um cão, esquelético, arrasta pela rua a trela rota, desgastada pelas humilhações que sofreu e mesmo assim procura o dono que tão voluntariamente o abandonou. Um soldado pousa ao de leve a sua arma no chão, pega-lhe de novo e sabe que nunca vai poder descansar... Que é diferente de todos os outros, que para si não existe qualquer diferença entre o dia ou a noite, para ele nada disso tem razão de existir. Lamenta tudo o que errou, espera sem cessar um milagre que traga finalmente a paz ao mundo.. e continua a lutar.
Noutro canto do mundo, uma mãe ofegante faz nascer uma criança. Corpo, pálido, sem alegria, sem vida. Mais uma luz que se apaga, mais uma esperança perdida..
Uma presença tudo isto observa, sem conseguir evitar o pensamento que lhe ocorre «Tolos humanos. Cada um pensando que o seu problema é o maior de todos. Como explicar-lhes que há coisas que acontecem, que nada podem fazer para as impedir ou alterar, mas nem sempre são tão más como sempre parecem ser (Que apesar daquela pessoa não voltar, isso não significa que não possas ser feliz..).
Como explicar que cada flor que nasce, cada raiz espreitando ao de leve por uma fresta no chão significa algo inimaginavelmente belo, que a vida é tão incrivelmente curta que pequenos erros são insignificantes.
Explicar que desistir de tudo não é solução, que o arrependimento devia ser substituído pelo pensamento antes do acto, que a ternura ainda será a salvação da humanidade e que a guerra sempre foi e sempre será a companheira fiel da morte que rodeia corações vagabundos, perdidos no vazio.
E como fazê-los compreender que, lá por o sol desaparecer cada vez que eu me ergo para tão docemente abraçar o mundo que é meu apenas por um momento, e por não nos vermos sem ser por breves sonhos fugazes, isso não significa que exista menos amor...» 12.12.04
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