quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Ode à Maldade (Sem nenhuma razão em particular)

Este já é um texto mt antigo, do ano passado... Mas adorei escrevê-lo, apesar de ser obviamente fictício, adorei descobrir novas facetas dentro de mim, revelar uma pequena parcela do lado mau que no fundo todos temos mas que não queremos mostrar, de que nos envergonhamos.
Sim, é a mais pura das verdades que não podes confiar em mim. A qualquer momento posso contar os teus mais íntimos segredos à pessoa que mais odeias – e isso não me incomodaria minimamente. Não o faço por não gostar de ti – tal como também não o faço por gostar. És-me completamente indiferente, apesar de achares o contrário. Será possível creres que uma coisa não depende da outra? Gosto de fazer de conta que sou outra pessoa, de dar a mais profunda satisfação às pessoas, fazer o que elas querem, de lhes agradar. Apenas para provar o sabor das suas desilusões quando as apunhalo pelas costas. Por esse gosto existir (por muito macabro que o aches, e por muito que o reproves, se o reconheceres em mim) conto a outros o que me contas tão secretamente.
Pergunto-me quando irás perceber que eu não sou o que tu pensas, que tudo o que conheces de mim é uma ilusão que criei, que a coisa mais errada que fizeste foi confiar em mim. Quando te vais aperceber que eu te afastei de toda a gente, que consegui precisamente o que queria – se eu te largar, cairás e ninguém te ajudará. Estás dependente de mim, e em mim colocaste as tuas esperanças, e todos os teus sonhos.
Por vezes desejo simplesmente que descubras tudo o que engendrei, que a culpada de tudo o que te tem acontecido de mau sou eu, fui eu que planeei cada detalhe sombrio dentro de mim. Desejo que afastes essa ingenuidade irritante que há em ti, que te consciencializes que as pessoas podem de facto ser más por natureza. A maldade vive dentro de cada um de nós – apesar de a tua continuar adormecida.. Após tanto sofrimento, tanta dor.
Olha à tua volta e pára por fim com essas tentativas de tornar o mundo melhor – é ridículo, é infantil, todos sabem que essa ideia é uma utopia, é inalcançável, é bom demais para alguém merecer (até mesmo tu). Aliás, estão todos tão embrenhados nos seus pequenos mundos que é de duvidar que alguém projecte algo como “felicidade a longo prazo”, que é, resumindo, o que tu desejas para ti. Não te contentas com um momento de felicidade, uma “droga leve” que te faça ir até às nuvens.. Não farias isso.. Pois sabes que isso é algo de apenas um momento, não a felicidade que procuras (a meu entender, em vão). Sonhas demais..
Acorda! Desconfia! Mente! Como esperas sobreviver neste mundo? Sendo o melhor que conseguires ser, fazendo para sempre as escolhas certas, e não as escolhas mais convenientes para ti? Ninguém quer saber como és realmente, ninguém quer saber se o que conhece de ti é real ou não.. Desde que seja algo agradável à vista e ao ouvido. E sabes que mais? O facto de fazeres as coisas sempre bem não te vai ajudar.. Pois saberás que nunca fizeste nada que justificasse a situação em que estás. É essa a ideia de felicidade que tens em mente?
Sei que és infeliz, agora. Sei que o que te mantém acordado, o que te impede de chorar, sou eu. E tu não sabes nada sobre mim. Não sabes que não preciso de ti para nada, não sabes que estou à espera do momento certo para te deixar. Quando eu terminar o que comecei contigo, verás as coisas de uma maneira diferente, prometo. Ou não. Porque eu não cumpro as minhas promessas – Já devias saber.
Se vires bem, estou a dar-te uma lição de vida, a tentar desvanecer por fim essa tua inocência, a ajudar-te a finalmente ser um ser humano decente e a não confiar nas pessoas. No futuro ainda me agradecerás, embora isso de facto não me interesse. És para mim menos de nada, és fraco, és cego. As lágrimas que choraste no meu ombro entraram em contacto apenas com a superfície de pedra que rodeia o meu coração desde que nasci, e os momentos que consideraste especiais foram tão fortemente mesclados com o meu fingido sentimento de alegria que não deixou espaço para mais nada.
Podes acreditar que tudo isto não foi fruto de uma experiência traumatizante no passado, sempre fui assim. Tal como os camaleões, também eu mudo conforme o sítio onde estou.
E por favor, não me desculpes. Será assim tão complicado pensar que sou assim por razão nenhuma, apenas por ser, apenas por gostar tanto de ser? Talvez por saber que são pessoas como eu que estão no topo, saber que pessoas como tu temem pessoas como eu. Que provoco dor. Que recebo atenção, que tenho poder. Tudo isto me traz satisfação. Tudo isto contribui para a minha felicidade interior. Saber que sou assim... Sem nenhuma razão em particular.

“Ah o medo vai ter tudo (...) Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer” Alexandre O'Neill

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