segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Cedo demais

Sinto-me feliz, contigo. Fazes-me sentir acarinhada, idolatrada até por vezes, a pessoa mais bela do mundo... Tenho medo que me eleves demasiado alto nesse teu pedestal, mas por outro lado!,
Quero-te tanto, de todas as formas!
Quero-te comigo, sempre - Mas encaro de frente a realidade de não te poder ter. De uma maneira calma, saudável.
Quero amar-te desenfreadamente, mas de alguma forma acredito que isso nunca irá suceder - Seremos sempre algo perseguidos pela natureza racional dos nossos instintos - se é que neles existe alguma - nunca levados por eles, sempre com uma réstea vã de lucidez por entre pensamentos aluados.
Até que ponto isso nos é útil? Não sei. Decerto impediu, até agora, o despedaçar inútil de corações tão frágeis como, digamos, o meu, e talvez também o teu, por muito camuflado que o mantenhas nessa couraça impenetrável (cada vez menos, cada vez menos). Mas será que vamos manter para sempre esta tal tranquila descontracção diante da possibilidade de inevitavelmente desmarcar compromissos, ou de partilhar o espaço com mais pessoas para além de nós dois? Eu acho tudo isso cada vez mais difícil, cada vez mais uma loucura crescente, que me impele, que me grita a agarrar-te de encontro a mim, de não te deixar ir embora - quando já se faz tarde e tens de ir, tens de ir sempre tão cedo.
Vais-te sempre cedo demais.
Fotografia de Ricardo Wiese Zacchi, «Flor»

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Poema do dia: Casa


"Se algum dia / por acaso

Eu voltar a rasgar a tua latitude neste planeta
Podes abocanhar-me
Caçar-me com os incisivos / balançar-me na boca

Não aceites as minhas desculpas / de nómada
Nem / acredites quando te disser que tudo o que tenho
Cabe dentro de uma mala

Começa por esconder-me os sapatos

Convence-me a destruir os mapas de viagem
E a engolir âncoras / pedras / uma morada
Com número na porta

Mesmo que o meu desassossego geográfico
(...) agite o metal dos talheres
Não hesites / Leva-me para tua casa

Prova-me que não tenho de apanhar o útlimo comboio da noite
Que incendeia a costa e que me ajuda / a fugir todas as madrugadas

Recebe-me nas zonas sem roupa / do teu corpo

Manobra-me a língua / Usa-me

Quando a tua carne já não precisar de mim
Amarra-me / cuida do meu sono temporário

Obriga-me a dizer-te aquilo que os meus dentes
Sem coração nunca autorizaram:

«Esta noite durmo contigo»." Hugo Gonçalves