quinta-feira, 11 de maio de 2006

Aqui, tão perto de mim

Fotografia por Catarina Cruz, «Warmness on the Soul»
Passas por mim e não me olhas. Espero que não me tenhas reconhecido. Estou tão diferente. Fiz tanto por estar tão diferente. Tanto por esquecer o que fui, quem fui, como fui - contigo. Tento resisitir ao impulso de te seguir, mas é um impulso tão forte. Muito mais forte do que eu alguma vez fui capaz de ser. Vou assim caminhando, uns passos atrás de ti, cada vez que páras eu recuo um pouco. Por favor, não olhes. Não quero que me olhes. Não posso sequer imaginar o que dirias, o que farias tu se soubesses que estou aqui. Perto de ti.
Revejo na minha mente todos os cenários que partilhei contigo, agora mais nítidos devido à visão renovada da tua face. Sorrio. Um sorriso triste, de quem se apercebe que afinal não terá estancado a hemorragia tão bem quanto devia.De quem se achava tão forte. Preparada. Preparada para te enfrentar outra vez. Mas não estou. Não sei se um dia estarei.
Alcanço-te por fim. Estendo o braço, a mão, tão perto, tão próxima, mas não te toco, não consigo. Se me afastar agora ainda vou a tempo, nunca saberás que estive aqui. Será que vou eu também a tempo de me perdoar a mim se o fizer?
Imagino que te viras, o teu olhar cruza-se com o meu. Sorris automaticamente, esse teu sorriso. Li tanto nesse teu sorriso. Desejo, amor, desculpas. Desculpa-me. O olhar que desviaste e tentaste não fixar em mim. Desculpa-me tanto. Li um mundo no teu olhar que durou um instante apenas. Lembro-me de como tentaste em vão esbater o sorriso para os cantos da boca, e só me apetece abraçar-te de encontro a mim outra vez. Só quero recordar-me de ti.
Silenciosa, inspiro. Já não tens o mesmo cheiro. Não saberias o que dizer, eu ficaria calada, o meu sorriso lutando também ele por se libertar, desvendar-se em mil gargalhadas de pura felicidade, apenas por te ver aqui. Aqui, tão perto de mim. Não te conseguiria ouvir, para te falar teria de me aproximar ainda mais de ti. Não consigo, sei que não estou pronta, tenho medo, medo de mais uma vez descolar um do outro os pedaços de mim, ainda não estão totalmente encaixados, ainda estão tão frágeis.
Impotente, deixo cair os braços. Dou meia volta, afasto-me.

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