domingo, 20 de maio de 2007

Quando os nossos corpos se separaram, por José Luís Peixoto

"quando os nossos corpos se separaram
olhámo-nos quase a desejar ser felizes.
vesti-me devagar, mas o corpo a ser ridículo.
disse espero que encontres um homem
que te ame, e ambos baixámos o olhar por sabermos
que esse homem não existe.
despedimo-nos.
tu ficaste para sempre deitada na cama e nua,
eu saí para sempre
na noite. olhámo-nos pela última vez
e despedimo-nos sem sequer nos conhecermos."
Fotografia de joana saraiva, fuga

domingo, 13 de maio de 2007

Não adormeças, por Maria do Rosário Pedreira

Fotografia por Nuno Manuel Baptista, «untitled»
Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já.
Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes
que ainda hoje te mordem os gestos e as palavras.


(...) Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que,
se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.