Um brilho no céu. Conto os segundos: 1, 2, 3, 4.... O trovejar faz-me tremer, apesar de ter sido tão longe. Penso em ti. 1, 2, 3,4,5... Onde estará agora? Será que estás, como eu, a cronometrar obsessivamente os segundos entre o brilho esbranquiçado e o som destrutivo do trovão?, será que te apercebeste agora quão infantil é, uma perda de tempo total? Será que apesar disso sorris ao lembrar-te como o fizémos juntos? Afasto-me da janela, a casa está vazia, sem luzes, sento-me no vazio tão familiar do meu quarto e inspiro fundo. Sorrio. Lanço uma gargalhada e, sei lá porquê, desde há muito tempo apetece-me dar graças a alguém ou a alguma coisa por te ter conhecido, por apesar de as coisas não terem corrido bem, termos tido momentos inesquecíveis, especiais. Por ter assistido áquela trovoada contigo, o meu braço quente sob a protecção do teu, de repente lembras-te que a electricidade poderá ter voltado, ligas o rádio e está a dar aquela música linda de Dire Straits(que não conhecias), Romeo and Juliet. Faço uma bela demonstração de playback à tua volta e esquecemo-nos de acender o resto das luzes. Dizemos frases disconexas e esquecemo-nos de tudo. Esquecemo-nos que não podemos ficar juntos, que tu és totalmente ciumento, como eu te tratava mal sem razão, ao invés sorrimos e olhamos pela janela. Contamos baixinho 1, 2,... (Este foi mesmo aqui ao pé!) e não dizemos nada. Quando a sala se ilumina com a luz do teu telemóvel ("vem já para casa, viste que horas são?") só conseguimos rir nervosamente. E quando dizes "então...Xau." eu apercebo-me que a vida é construída a partir de instantes assim. Estas recordações tao presentes, mesmo que nos meses a seguir mal tenhamos trocado palavras, mesmo que agora passes por mim e não me fales, não me queira ver, mesmo que eu me recuse a falar de ti, a dizer o teu nome. Apesar de tudo isso!, nunca hei-de esquecer aquela noite de trovoada, aquele playback totalmente ridículo mas que tanto conforto nos trouxe, aquele olhar que me dirigiste de uma maneira tão doce, o brilho dos relâmpagos que iluminava a sala e o teu rosto habitualmente tão moreno, subitamente branco, o teu braço que protegia o meu.