terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Be Yourself

Pensas para ti próprio que já não tens salvação. Existe uma parte de ti condenada há demasiado tempo. Mas continuas a lutar, dia após dia - Sabendo com uma certeza asfixiante que as coisas nunca hão de mudar senão para voltarem ao ponto de partida. Já não és tu que ages com uma fraqueza desconhecida. As decisões que te revoltam não és tu quem as tomas, não consegues ser tu próprio porque te esqueceste como eras. As forças começam a faltar-te, procuras uma ajuda que não vem, ou uma mão que acaba por te empurrar para o chão quente, de novo. Esse chão onde repousas, exaltando um último suspiro antes de desistires por fim. Olhas para as labaredas que tudo consomem à tua volta e sorris.

(Fotografia tirada dia 12 de Fevereiro de 2006)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

"Parfait"

Passei hoje por ti. És a tatuagem que eu gravei em mim no momento em que soube que estaríamos juntos para sempre. És a vontade em mim de ser diferente por todas as vezes em que dizias gostar de mim pelo que sou. És gelado derretido, és um bife grosso de vitela corroído e bolorento. És o unicórnio perdido da minha infância, o pégaso que prometeu voar comigo para fora daqui. És soluço que nunca consegui conter, uma dor na minha garganta que me impede de chorar. És aquela memória difusa que troça de mim, livre como um pássaro, que nunca foi de ninguém.
Fotografia: Addio, Helmut Newton

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Noites de trovoada

Um brilho no céu. Conto os segundos: 1, 2, 3, 4.... O trovejar faz-me tremer, apesar de ter sido tão longe. Penso em ti. 1, 2, 3,4,5... Onde estará agora? Será que estás, como eu, a cronometrar obsessivamente os segundos entre o brilho esbranquiçado e o som destrutivo do trovão?, será que te apercebeste agora quão infantil é, uma perda de tempo total? Será que apesar disso sorris ao lembrar-te como o fizémos juntos? Afasto-me da janela, a casa está vazia, sem luzes, sento-me no vazio tão familiar do meu quarto e inspiro fundo. Sorrio. Lanço uma gargalhada e, sei lá porquê, desde há muito tempo apetece-me dar graças a alguém ou a alguma coisa por te ter conhecido, por apesar de as coisas não terem corrido bem, termos tido momentos inesquecíveis, especiais. Por ter assistido áquela trovoada contigo, o meu braço quente sob a protecção do teu, de repente lembras-te que a electricidade poderá ter voltado, ligas o rádio e está a dar aquela música linda de Dire Straits(que não conhecias), Romeo and Juliet. Faço uma bela demonstração de playback à tua volta e esquecemo-nos de acender o resto das luzes. Dizemos frases disconexas e esquecemo-nos de tudo. Esquecemo-nos que não podemos ficar juntos, que tu és totalmente ciumento, como eu te tratava mal sem razão, ao invés sorrimos e olhamos pela janela. Contamos baixinho 1, 2,... (Este foi mesmo aqui ao pé!) e não dizemos nada. Quando a sala se ilumina com a luz do teu telemóvel ("vem já para casa, viste que horas são?") só conseguimos rir nervosamente. E quando dizes "então...Xau." eu apercebo-me que a vida é construída a partir de instantes assim. Estas recordações tao presentes, mesmo que nos meses a seguir mal tenhamos trocado palavras, mesmo que agora passes por mim e não me fales, não me queira ver, mesmo que eu me recuse a falar de ti, a dizer o teu nome. Apesar de tudo isso!, nunca hei-de esquecer aquela noite de trovoada, aquele playback totalmente ridículo mas que tanto conforto nos trouxe, aquele olhar que me dirigiste de uma maneira tão doce, o brilho dos relâmpagos que iluminava a sala e o teu rosto habitualmente tão moreno, subitamente branco, o teu braço que protegia o meu.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Poetisa do Dia - Maria do Rosário Pedreira

“Se partires, não me abraces - a falésia que se encosta uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre e sonha com viagens na pele salgada das ondas.
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios; mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder, porque o ar que respiras junto de mim é como um vento a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas."

O Beijo, Gustav Klimt

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

O que fazer?

O que fazer quando ao olhar para trás te recordas de uma maneira quase exacta de decisões que tomaste (lembras-te até do porquê de teres tomado essas decisões), quando e como, mas não te reconheces em nada disso que se passou? Quando subitamente te apercebes que noções nas quais te tinhas apoiado estavam erradas desde o início? Recordas-te de momentos em que tinhas noção de algo estar errado, no entanto culpavas algo defeituoso pelo meio do processo lógico pelo qual fazias quase todas as tuas escolhas - A tua maneira de pensar, os teus princípios morais, a tua personalidade que tão orgulhosamente foste construindo. Afinal toda a base estava errada desde o inicío. Como fazer com que uma ferida de tal magnitude cesse de magoar, de arder como se por aí todo o sangue, energia, vida se fosse esvair? Uma ferida que se abre a partir do momento em que admites ati próprio teres estado errado esse tempo todo. Como se toda a tua vida estivesses com um punhal afiado nas mãos, tremendo, nunca querendo admitir que pudesses estar tão inseguro, tão frágil - Simplesmente porque te apercebeste, enfim, que essa estrutura central de madeira camuflada de ferro não te há-de servir de nada. Era uma ilusão à qual te submetias inconscientemente. Olhas para trás e odeias-te, odeias tudo o que terás feito e não sabes onde estarias tu naquele processo, perguntas-te o que te terá acontecido ao renegares tanto de ti. Perguntas-te: Será isto crescer? Criar novos modelos, novas ideias, novas maneiras de pensar? Quem te ajudará a esquecer os erros que cometeste, provocados pela tranquila certeza que de alguma forma tudo iria dar certo? Como explicar a quem te rodeia que já não és a mesma pessoa, como explicares como renegas o que amaste durante tanto tempo e como anseias por aquilo que tanto desprezaste dia após dia? E pergunto-te: E agora, o que fazer?